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Fígado

quarta-feira, novembro 23, 2005







"Sou um homem doente... Um homem despeitado. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo absolutamente nada da minha doença, nem sei ao certo do que sofro. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Além disso, sou supersticioso ao extremo; o suficiente, ao menos, para respeitar a medicina. (Tenho bastante instrução para não ser supersticioso, mas sou.) Não, se não quero me tratar, é apenas de raiva. Certamente não compreendeis isto. Mas eu compreendo.

Está claro que não vos saberei explicar a quem exatamente estarei prejudicando, nesse caso, com a minha raiva; sei muito bem que aos médicos não causo dano algum por deixar de consultá-los; percebo melhor do que ninguém que, com tudo isto, o único a sair perdendo sou eu. Mas, seja como for, se não me trato é por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais! (...) Não consegui chegar a ser coisa alguma, nem mesmo tornar-me mau: nem bom nem canalha nem homem de bem nem herói nem inseto.

Agora, vou vivendo os meus dias no meu canto, escarnecendo de mim mesmo com o inútil e despeitado consolo de que um homem inteligente não pode vir a ser nada de sério e de que só o idiota o consegue. Sim, um homem inteligente do século 19 precisa e está moralmente obrigado a ser, em essência, uma criatura sem caráter; e uma pessoa de caráter, de ação, é fundamentalmente uma criatura limitada. Esta é a convicção dos meus quarenta anos.

Tenho agora quarenta anos, e quarenta anos são toda uma vida, são a mais irremediável velhice. Viver mais de quarenta anos é indecente, vulgar, imoral! Quem é que vive além dos quarenta? -- respondei-me sincera e honestamente. Vou dizer-vos quem: os idiotas e os inúteis. Vou dizer isto na cara de todos esses velhos respeitáveis de cabeleiras prateadas e perfumadas! Vou dizê-lo na cara de todo mundo! Tenho direito de falar assim, porque eu mesmo viverei até os sessenta. Até os setenta! Até os oitenta!... Um momento! Deixai-me tomar fôlego..."



Fiodor Dostoievski, no livro Zapíski iz podpólia, de 1864, que os tradutores nunca chegaram a um consenso se são – em nosso idioma – Notas do Subterrâneo, Memórias do Subterrâneo ou Memórias do Subsolo.

Punctus exclamativus

sexta-feira, novembro 18, 2005

Ao chegar ao país da gramática, Emília grita, diante de dezenas de pontos-de-exclamação: “– Viva! Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olhos arregalados, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!!!”

Anos depois, escreveria o bom poeta João Cabral de Melo Neto: “Todo mundo aceita que ao homem cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto-de-exclamação.” Às vezes, mas nem sempre, prefiro concordar – e pontuar minha vida – com F. Scott Fitzgerald, que desaconselhava aos novos (e a todos os demais) escritores o uso desses sinais em seus textos. “Usar pontos-de-exclamação é como rir das próprias piadas”, advertia o autor de "O Grande Gatsby".


Confesso: estou em boa – mas também em má – companhia quando o assunto é o sinal gráfico originado do logotipo para a exclamação latina , denotadora de alegria e dor. Ao mesmo tempo em que Fitzgerald é meu baluarte e meu exemplo em ser parcimonioso ao usá-lo, Nelson Rodrigues, eterno defensor do sinal infame que é tema deste post, era um dos maiores entusiastas de seu uso, principalmente nos jornais.

Colocado contra a parede por aqueles que ele chamava de “idiotas da objetividade” (os defensores do jornalismo objetivo, sem pontos-de-exclamação e narizes-de-cera, entre eles Pompeu de Souza e Carlos Lacerda, autores dos primeiros manuais de redação baseados no estilo norte-americano de dar a notícia), Nelson vociferava: “Vamos supor que o mundo acabasse. O 'Diário Carioca' teria de dar essa manchete sem um mínimo de paixão!” Não há como deixar de concordar com o anjo pornográfico.

Dizem que o criador do logotipo teria sido o poeta, historiador e político italiano Coluccio Salutati. O punctus exclamativus sive admirativus só se popularizou a partir de meados do século XVII, provavelmente com a ajuda das obras barrocas, que produziam, como dizia Severo Sarduy, uma exclamación inefable, o que levou alguns críticos a cunhar a expressão barroco gritón.

Ao ingressar na Escola de Comunicação da UFRJ, fui presenteado com uma aula inaugural ministrada pelo impagável Tutty Vasques, outro defensor desse sinal gráfico. Tutty contou que começou a pontuar seus títulos e frases com pontos-de-exclamação por conta de uma birra, uma pirraça que tivera com um editor, que o proibira de usá-los.

Não sei por que resolvi preencher as linhas de mais uma sexta-feira insossa com um tema ao mesmo tempo tão inoportuno e
sem-importância como os pontos-de-exclamação. Também não há motivos para que a leitora tenha deixado de lado tarefas mais edificantes, tendo chegado até o derradeiro parágrafo deste post (motivos não devem faltar, e eu os compreendo). Mas o fato é que há em mim uma relação de amor e ódio com tal sinal gráfico. Usado em demasia por alguns, perde o encanto que é próprio às coisas raras; banido sem distinção, é a materialização da perda de nossa capacidade de espanto e revolta diante do que choca, como no quadro “O Grito”, do genial Edvard Munch, que ilustra esse exclamativo texto.

Ofícios (trecho)

sexta-feira, novembro 11, 2005
Da praça da grande metrópole, João enxerga os senhores de óculos escuros, as senhoras de salto alto e os milhares de joões que voltam para casa.

Ainda percebe, no alto dos grandes edifícios, os senhores por detrás dos vidros fumê calculando o custo-benefício do olhar, os vendedores de lojas de calçados que observam o toc-toc-tar dos saltos dos sapatos nas calçadas e paralelepípedos.

João se cansa, olha para o céu e luz não consegue ver; olha para a frente e sente suas juntas se enrijecerem. João não entende. De seus dedos dos pés e mãos começam a surgir teclas em formas circulares. Sua língua se empalidece. No auge do desespero, João olha para as mãos e lê, admirado: A, S, D, F, G, H...

João mais uma vez olha para o céu e de pronto vocifera, mas o que sai de sua boca não são palavras faladas, e sim uma ordinária folha de papel ofício amarelada, onde lê: – Deus, por que me abandonaste?

João diminui de estatura. De um metro e sessenta e cinco de antes, ele agora era um cidadão representado por ridículos quarenta centímetros. A esta altura – dos acontecimentos, não de João –, uma multidão já cercara o banco onde ele agonizava. Quando suas orelhas já se transformavam em tabuladores e seus olhos em dois rolos de fita bicolor, os repórteres de televisão chegaram.

Às dezoito horas e cinco minutos, João datilografou suas últimas palavras:
– Deus, perdoe a todos, pois eles não sabem o que fazem...
João havia se transformado em uma máquina de escrever.

Depois do fato, um rapaz da limpeza levaria João para os fundos do almoxarifado de um escritório qualquer. João, uma máquina de escrever.