Fiat Lux
– Faça–se a luz.
– Um momento.
– Opa. O que é isso? Quem está aí?
– Um momento. Estou consultando a planilha de gastos para esta semana. Mmm... Mmm... Não tem verba.
– Como é que é?
– Muito prazer. Diretor financeiro.
– Como ousa interromper o ato de Criação Divina?
– Lamento informar. A verba para a criação divina foi suspensa até segunda ordem. Só sobrou o sétimo dia de descanso.
– Ora, que diabos está fazendo aqui? – Neste momento, um anjo entra voando por sobre os dois:
– Chamou, Senhor?
– Não, Lúcifer. Volte para o seu lugar. Que diabos!
– No meu relatório consta um projeto de Paraíso, a ser habitado por dois seres viventes, à sua imagem e semelhança. Confirma?
– Sim, confirmo.
– Não tem verba.
– Como não? Que diabos! Lúcifer, não é com você.
– Estamos passando por um processo de reengenharia e de enxugamento da máquina administrativa, Senhor. Não serão tolerados gastos para a manutenção do welfare state. Todos os benefícios desnecessários terão de ser cortados, incluindo a maioria dos animais viventes, macieiras e répteis. É preciso se adequar, é preciso se adequar.
– Isso é loucura! Eu sou o onipotente, o onisciente e o onipresente!
– A verba para a onipresença também foi cortada.
– E o pecado original, a expulsão do Paraíso, o início de tudo?
– Não tem verba.
– E a arca, o dilúvio, os dez mandamentos?
– Não tem verba.
– E Moisés, o deserto, a Terra Prometida?
– Não tem verba.
– Que diabos! Lúcifer, permaneça no seu lugar. Vou acabar com tudo isso. Gabriel! Miguel! Expulsem esse farsante daqui!
– Mmm... Mmm... Não vai adiantar: Gabriel e Miguel acabaram de sair do Departamento Pessoal. Não tem verba, não tem verba.